domingo, 28 de julho de 2013

cesta

trouxe um par de garfos, facas e colheres e disse: são para te comer melhor

verão

só gostava do meu sorriso?
hipnotiza-o?
não se perdia por mais nada?
fixações de uma noite de inverno
recuperadas num dia de verão

depois

quando for grande, nada farei contrariada

não era o verbo

No princípio era o começo
no princípio era uma incerteza
era uma fruta acabada de apanhar
que enchia a mão
no princípio não se ouvia o farfisa
no começo apenas se avistavam carris
no início não era o verbo
eram as primeiras notas de uma melodia
muito antes do refrão

magia

Pedalou até encontrar rio
ouviu inglês, francês, italiano
estava vento
estava corrente de ar
tirou da mala o frasco
desenroscou
tirou a argola
soprou, soprou e dali
nasceram bolas de sabão
subiram, elevaram-se
bailaram
libertou-as

sábado, 27 de julho de 2013

estrada

pela estrada dentro
vaidosa ia
vestido novo
outros dois na mochila
só compra vestidos
quando se apaixona
pela estrada dentro
cheiros intensos
linhas de perder de vista
vistas longuínquas
pela estrada fora
pela estrada dentro

sexta-feira, 12 de julho de 2013

enquanto isso

cortou caminho, cortou caminho. e não chegou mais cedo. chegou mais tarde. tinha partido depois da tartaruga. a tartaruga fez-se à floresta mais cedo. perdeu. ganhou caminhos.

post it

nota de música. nota de cinco euros. nota de afazeres. são muitas notas. são muitos quartos. um quarto de farinha. um quarto de dormir. um quarto de hora.

papel de parede

vestiu a parede de linho. salvou a planta da seca. enviou pelo correio a palavra certa. ganhou a semana. os dias são demasiado curtos para balanços. os meus dias são as tuas horas.

escadas

não tenho dores, não preciso de remédios. não preciso do calor, nem do fresco da noite. não preciso de ti. por isso, o amor chegou pela porta da frente, subindo as escadas.

vidro duplo

Matias vestia fato de macaco azul. Alto, forte, habituei-me a vê-lo todos os dias. Costumava estar ao pé da Felismina, minha vizinha costureira. Por vezes, sentado na cadeira, levantava a cabeça para dizer: E a menina, como vai? Ontem, teve uma dor de cabeça insuportável e assustou a Felismina pedindo-lhe para chamar a ambulância. Disse-lhe que ia morrer se o socorro não viesse depressa. Felismina ainda teve tempo para pensar que os homens e o Matias, sábia representação do género, gostam de exagerar nas maleitas. Ao segundo vómito, abriu a pupila e a razão e percebeu que estava diante de uma cena real da série "Anatomia de Grey". O que pensamos para abafar o sofrimento enquanto ele se instala.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

campo

quantos pensamentos levamos de carroça?

quarta-feira, 10 de julho de 2013

de lado

toco-te no braço e ouço-te. música para os meus ouvidos, tendo como baixo o vento suave. acontece no banco de jardim.

em pé

o ritmo da forma de andar. o ritmo da respiração. o ritmo da gravidade.

terça-feira, 9 de julho de 2013

deitada

resulta outra coisa pensar deitada. Por isso, Rembrandt dormia sentado. Não só por isso. Era costume na época. Acreditava-se que a ida do sangue para a cabeça daria morte certa. os pensamentos deitados são menos firmes, voam. Os mesmos de cabeça erguida impõem-se ao lado de muita cautela. efeito dos pés na terra. ou da terra nos pés.

domingo, 7 de julho de 2013

sentada

enquanto olhava para ele, nasciam versos na minha cabeça. ele não os ouvia. eu não os dizia. tinha vergonha de os deitar cá para fora. Parecia a Ofélia a escrever cartas ao Pessoa. eram primários. estava encantada e deixava-me estar, sentada naquele banco de madeira.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

ponteiro

pedir um minuto de atenção. conversa séria ao minuto. nos intervalos. intervalos valiosos. sérios.

estafeta

chorar pelo que devia ter dito e não disse na altura certa. ficou por dizer. a quem o dizer? quantos pensamentos carregamos no camião?

segunda-feira, 1 de julho de 2013

rio

seguia esverdeado, escorregadio
terá sido sempre assim
aquele rio
simplesmente não estava lá
como naquela noite em que não estive lá
e naquela tarde em que não fui
naquele domingo em que fui preguiçosa
bloqueei estupidamente até segunda-feira
seguia de água límpida
ao gosto das rãs
ao gosto das algas finas
das lagartixas
dos sapos, não sabemos
foram para o baile
não sabem estar sozinhos

bem comportada

derreto-me. sinto um pouco isso nas pontas das mãos e dos pés. se me desfizer um dia destes, transforma-me num chocolate, se faz favor.

madeira

Caiu, bateu com a cabeça na cómoda e morreu. Num segundo, contava. Sem tempo para revisitar o passado, felizmente. Tem Alzheimer e sonha um dia bater com a cabeça num móvel qualquer. Joaquim foi esquisito a vida toda. Gostou de amarelo quando era fatela vestir essa cor. No momento de ir embora, qualquer madeira serviria. Sabes que não vai ser assim, disse. Também não sabes como vai ser, nunca sabes como vai ser a seguir, amanhã, e depois de amanhã, e antes do fim de semana, dizia-me, cheio de vida.